sábado, 5 de abril de 2008

Sorria você esta sendo monitorado


Um excelente instrumento de fiscalização, dizem uns. Um "Big Brother" que amplia seu olhar sobre nossas vidas, dizem outros. A criação do Sistema Nacional de Identificação de Automóveis tem suscitado reações diversas. Anunciada em novembro, a resolução do Contran que prevê a instalação de chips em todos os carros nos próximos cinco anos ainda tem aspectos nebulosos, que só serão esclarecidos com o desenrolar do processo de implantação. Mas, afinal, que influência esse pequeno instrumento eletrônico poderá ter na vida dos motoristas brasileiros?
O sistema é simples e já é conhecido pelos motoristas do estado de São Paulo - o princípio é o mesmo do sistema privado de cobrança Sem Parar, das rodovias pedagiadas. Por meio de um chip eletrônico afixado no pára-brisa, antenas instaladas em diversos locais da cidade poderão identificar veículos irregulares ou roubados em circulação e obter dados de gerenciamento de trânsito. "O principal objetivo é criar um instrumento de fiscalização e obtenção de dados de tráfego mais eficiente, que possa também ajudar no combate ao roubo de veículos e cargas", diz Mauro Mazzamati, coordenador geral de planejamento normativo e estratégico do Denatran.
Até 2011, toda a frota nacional - estimada em 43 milhões de veículos - deverá ter os chips. Andar sem o componente será considerado falta grave, sujeito a multa de 127 reais, 5 pontos na carteira e apreensão do veículo. O presidente da Comissão de Assuntos e Estudos sobre Direito de Trânsito da OAB-SP, Cyro Vidal, diz ser favorável ao sistema, mas discorda de sua obrigatoriedade. "A instalação em si não é ilegal nem inconstitucional, mas o fato de não ser facultativa me incomoda." Ele questiona ainda as razões pelas quais está sendo implantado. "A principal justificativa é o combate ao furto e roubo de veículos e cargas, mas sinto que a finalidade maior é o cerco ao licenciamento, cobrança de multa e IPVA. Não que isso seja ilegítimo, mas acho que deveria haver mais transparência", diz Vidal, que já foi diretor do Detran-SP.
Risco de clonagem
Outra grande preocupação é quanto à inviolabilidade do sistema. Tão logo foi anunciada a resolução, o risco de clonagem dessas etiquetas eletrônicas tornou-se uma das principais dúvidas. Na opinião do diretor do Instituto de Pesquisas Industriais da FEI, Renato Giacomini, a possibilidade de clonagem não é nula, mas é bem remota. "Como a transmissão de dados será criptografada, é muito difícil que alguém consiga clonar o chip." Ele afirma que a criptografia também deverá impedir que os dados sejam interceptados por alguém que possua uma antena de recepção, por exemplo. O mais preocupante, porém, é que nada garante que ladrões não consigam retirar o chip do pára-brisa sem inutilizá-lo, conforme determina a resolução. "Alguém pode remover o pára-brisa e colocá-lo em outro veículo, ou conseguir destacar o chip sem danificá-lo", diz Giacomini. Outro aspecto ainda não esclarecido são as parcerias com a iniciativa privada. A resolução prevê que cerca de um terço da memória do chip será destinada à iniciativa privada, mas não dá mais detalhes. "Nossa previsão é que empresas de rastreamento, estacionamentos e shoppings possam usar o chip para oferecer serviços. Tudo isso, é claro, com o consentimento do motorista", diz Mazzamati. O uso dessas informações deverá ser definido nos contratos de licitação. "Essas empresas terão suas próprias antenas, que deverão captar somente os dados que dizem respeito aos serviços contratados", afirma Giacomini.
Se por aqui o chip ainda é novidade, nos Estados Unidos ele já é objeto de polêmica. Em 2005, as especialistas em privacidade do consumidor Liz McIntyre e Katherine Albrecht lançaram o livro Spychips, que trata do uso desses chips por empresas e governos. Um dos temas abordados é o projeto que pretende implantar sistemas de identificação em todos os veículos americanos fabricados a partir de 2007, ainda que de forma voluntária. A justificativa é que seria possível controlar o fluxo de veículos e prevenir acidentes. Liz McIntyre cita o caso de Houston, no Texas, onde funciona um sistema de pedágio semelhante ao Sem Parar paulista. "O que a grande maioria não sabe é que esses chips estão sendo detectados por antenas a milhas de distância do posto de cobrança. Há antenas rastreando os carros sem seu consentimento", diz. A alegação da concessionária, segundo ela, é que o chip estaria ajudando a monitorar o fluxo, mas não se sabe ao certo qual o propósito. "É por fatos como esse que espero que os brasileiros saibam dos riscos que a tecnologia de chips oferece à privacidade, e que eles se oponham a essa decisão."
Segundo Mazzamati, do Denatran, por mais que a privacidade seja um fator que preocupe, ela estará garantida. "É importante que saibam que o sigilo dessas informações será protegido pela Constituição, como ocorre com os sigilos telefônico e bancário. Ele só pode ser quebrado por ordem judicial", afirma. Porém, para Cyro Vidal, há sempre um jeito de burlar o sistema. Ele cita o assédio sofrido por motoristas cuja habilitação está para ser cassada. "Os Detrans publicam no Diário Oficial o número das carteiras de habilitação sem citar o nome dos condutores. Mesmo assim, no dia seguinte eles começam a ser incomodados com ligações de supostas empresas especializadas em retirar pontos da carteira. A pergunta que fica é: como eles conseguem esses dados?"

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