segunda-feira, 2 de junho de 2008

Carro caseiro

O estilo garageiro: Quem já não sonhou em construir o próprio carro? E não é que tem gente que consegue?
Entre móveis antigos e vitrais de época que decoram a grande sala, um reluzente chassi de aço inox imaculadamente limpo rouba a cena no amplo ambiente. Bem-vindo à casa do engenheiro Aldo Santos Oliveira.
"Queria um esportivo de concepção antiga, um roadster, com motor entre os eixos e distribuição perfeita de peso", diz Aldo. Ele afirma que, após quase 30 anos de esboços mentais e busca por peças, a construção para valer começou em 1996.
Banhado pela iluminação vinda de uma clarabóia, o esqueleto já possui eixo dianteiro, com suspensão e freios importados dos Estados Unidos. O motor, um GM/Oldsmobile V8 de 3,5 litros, foi escolhido por causa do bloco de alumínio; o câmbio é um BorgWarner de cinco marchas. O eixo traseiro, nascido em berço esplêndido - um Jaguar XJ6 -, é do tipo Salisbury, com freios a disco montados internamente. Tudo começou a partir das duas longarinas principais do chassi. Outras peças foram integradas cuidadosamente, sempre procurando dar dupla função a cada uma. "Busquei soluções que deixassem o carro mais simples, pois manter a simplicidade é bem mais difícil que apelar para soluções complexas", diz Aldo. Todas as barras foram usinadas e torneadas. "A solda complementa a estrutura, pois tudo já foi previamente encaixado. Usamos menos de 3 metros de solda, enquanto uma Ferrari Modena usa 43 metros." O desafio agora é construir a carroceria toda de alumínio.

Tanto aço inox empregado no chassi é uma maneira de garantir que o carro dure uma eternidade sem o risco de ferrugem. Vendê-lo depois de pronto? Sem chance. O projeto é patrimônio da família. A ergonomia dos pedais, bancos e volante foi feita para Max, filho de Aldo, parceiro desde sempre no projeto. A filha Mila, estudante de arquitetura, ajuda a desenhar o assoalho no programa Auto- CAD. E coube à esposa, Ema, a atitude mais difícil e generosa: liberar o uso da sala como oficina.

Aldo não é um caso isolado. Faz três anos que o universitário Flávio Berger não sabe o que é um fim de semana livre. Viagens, baladas e praia foram trocadas por graxa, soldas e tubos de aço. Parece muito? Veja o caso do empresário Erineu Cicarelli, que dedicou 12 anos a seu projeto. Ainda assim, a experiência dos dois é curta se comparada aos 30 anos de Aldo.

Tanto sacrifício não encontra amparo no campo da razão. "Quando decide construir sozinho, o sujeito está vendendo a alma ao carro", diz Ricardo Bock, 53 anos e mais de 40 protótipos no currículo. Coordenador do curso de engenharia automotiva da FEI (Fundação Educacional Inaciana), no ABC paulista, Bock lembra que, quando jovem, nem ligava para a profissão. "Só pensava nos meus carros. Oportunidades de emprego eram muito limitadas. Hoje, um garoto talentoso pode trabalhar na F-1 ou numa multinacional, em vez de fazer um protótipo na garagem." Alvaro Costa Neto, diretor da Sociedade dos Engenheiros da Mobilidade (SAE Brasil) e professor da USP em São Carlos (SP), concorda que a evolução da tecnologia embarcada torna a mecânica dos veículos atuais cada vez mais hermética e inacessível aos entusiastas. Os últimos garageiros correm sério risco de extinção.

Garagem com piscinaDesde criança, o estudante de engenharia Flávio Berger anota seus planos numa série de "caderno de idéias". Seus pais, mesmo acostumados com as invencionices, não botaram muita fé quando o garoto decidiu construir um carro para disputar o Rally dos Sertões. Hoje, aos 24 anos, Flávio e outros dois amigos de equipe, Vágner Ponce e Rafael Mulari, finalizam o Buggy X-2, com motor Subaru 1.8 montado entre a cabine e o eixo traseiro e caixa de transmissão invertida, para tracionar as rodas de trás. O protótipo foi quase todo construído na garagem ao lado da piscina, seguindo à risca um cronograma calcado em fins de semana e feriados.

"A idéia era ter um carro mais rápido e mais barato que as Mitsubishi L200 que dominam os Sertões. O nosso teria de ser mais leve, com centro de gravidade bem baixo, suspensão de longo curso e manutenção fácil." Flávio projetou a gaiola e determinou as medidas. O trio fabricou diversas peças e pôde utilizar o túnel de vento virtual da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A equipe conta também com as dicas e a experiência do piloto e projetista Cacá Clauset, colaborador de QUATRO RODAS.

Mesmo sendo o primeiro protótipo, o X-2 já possui refinamentos como ar-condicionado. "Não é luxo, não. Num rali, a temperatura no interior ultrapassa os 50 ºC. Sem ele, fica perigoso até desmaiar", afirma Flávio. Em agosto, quando o Rally dos Sertões começar, é ele quem estará ao volante do X-2.

Nem sempre o espírito de competição é o motor desse tipo de empreendimento. "Precisava de um hobby", diz o empresário Erineu Cicarelli, justificando a compra do seu Schwimmwagen, primo anfíbio do Fusca, produzido na Alemanha na Segunda Guerra. Restam só 150 sobreviventes, dois deles no Brasil. Durante a restauração, de tanto estudar o Schwimmwagen, Cicarelli decidiu construir um novo anfíbio por conta própria. Com a ajuda do mecânico Josué, começou o projeto em 1995 e não parou até hoje.

Chamado de Batráquio, o carrinho possui chassi tubular, com a parte inferior em forma de casco. "O motor traseiro é da Kombi: ajuda a concentrar o peso atrás e melhora a navegabilidade", diz Cicarelli.

Entrar na água é a parte mais emocionante. Cicarelli toma impulso e o Batráquio não refuga, encarando a represa Billings com desenvoltura. Acionada por um eixo cardã ligado ao virabrequim, a hélice garante até 7 km/h, enquanto as rodas dianteiras servem de leme. "O Batráquio flutua mais que o Schwimmwagen, mas o alemão se movimenta melhor", explica o dono. Para sair da água, é necessário acionar a tração nas quatro rodas através de uma alavanca ao lado do câmbio.

Carcará cover Já o engenheiro Carlo Portaleoni, construtor do triciclo Carcará, não era um marinheiro de primeira viagem. Ele projetava jet-skis quando esse nome nem existia. Já criou bicicleta elétrica e planeja um avião com motor de Fusca, além de um mini-submarino. "Mas sem essa de professor Pardal", diz o engenheiro enquanto pilota o triciclo pelas ruas da cidade de Santos (SP). "Queria algo diferente e calhou de a Volkswagen e a Peugeot lançarem estudos muito parecidos, quase ao mesmo tempo", diz, referindo- se aos protótipos VW GX-3 e Peugeot 20Cup, ambos com a mesma disposição do Carcará.

Carlo fez um chassi tubular integrando habitáculo, quadro do motor e balança da suspensão traseira. O motor de moto Suzuki 1200 com 105 cv empurra os pouco mais de 500 quilos. "Anda até demais", diz o construtor, que já encarou a estrada Rio-Santos e afirma: vai de 0 a 100 km/h em 4 segundos e faz curvas de lado, aproveitando a tração traseira. Carlo instalou freio a disco e coroa de transmissão na roda traseira, que, assim como as dianteiras, é de carro.
Apesar de não estar emplacado, o Carcará já foi aprovado pelo Inmetro. "Serve mais como um protótipo chamariz. O que acho viável mesmo é o Curupira, um triciclo parecido, só que menor e mais barato: 4 000 a 5 000 reais, fazendo 60 km/l. Seria rival das motos Bizz e Pop e ainda teria cabine fechada. Só preciso de um investidor." Alguém se habilita?

Um comentário:

cRiPpLe_rOoStEr a.k.a. Kamikaze disse...

sempre tive interesse em fazer um carro, mas acho que se fosse fazer um veículo motorizado hoje optaria por um triciclo pelo aspecto econômico...